segunda-feira, 9 de março de 2009

Parasitologia - Esquistossomose

Esquistossomas

Fala-se em esquistossomose quando há infecção por qualquer uma das espécies de Schistosoma. Na maior parte dos indivíduos infectados não há doença clínica, ou esta assume aspecto incaracterístico ou frustro. Várias espécies são capazes de infectar o homem. As mais importantes são o S. mansoni, o S. haematobium, e o S. japonicum. Há outros, como o S. mekongi, S. intercalatum, de menor importância. Os esquistossomas mansoni e haematobium existem na África desde há muitos séculos. Ovos de esquistossoma foram encontrados nas múmias egípcias, atestando a antigüidade da parasitose. Acredita-se que os escravos negros, trazidos da África para o Brasil, a tenham trazido consigo. A favor desta hipótese está o fato de que as principais áreas endêmicas em nosso país correspondiam, no início do século XX, às regiões onde a mão de obra escrava tinha sido mais intensamente utilizada, a saber, Pernambuco e Bahia. Mais tarde, com as migrações internas, a parasitose disseminou-se em focos isolados, dispersos por todo o território nacional. Como o hospedeiro intermediário do S. haematobium é um caramujo do gênero Bulinus inexistente no Brasil, está espécie de esquistossoma não chegou a radicar-se entre nós. Já o S. mansoni encontrou aqui ambiente favorável, pela existência dos hospedeiros intermediários, que são os caramujos da família Planorbidae, gênero Biomphalaria. Pode-se dizer que, de dois males, ficamos com o menor, pois a esquistossomose hematóbia produz alterações patológicas mais graves do que a mansônica, uma vez que, em vez de acometer o intestino, agride, como veremos, a árvore urinária.
Os esquistossomas pertencem à classe Digenea. O filo Platyhelminthes divide-se em várias classes, entre as quais Cestodea, Digenea e Monogenea. As duas primeiras são as mais importantes para a medicina humana. A classe Digenea caracteriza-se pela alternância de gerações, isto é, apresentam uma geração (ou multiplicação) sexuada no hospedeiro definitivo e uma geração assexuada no (ou nos) hospedeiro(s) intermediário(s).
Os esquistossomas são bio-helmintos, cujos hospedeiros intermediários são caramujos de água doce. É essencial para que se complete o ciclo do parasita que as fezes dos hospedeiros definitivos, contendo os ovos do parasita, entrem em contacto com a água onde vivem os caramujos. O principal hospedeiro definitivo é o homem, embora tenha sido descrita a infecção natural do boi e de certos roedores ribeirinhos. Até pouco tempo atrás se acreditava que estes animais não pudessem sustentar sozinhos o ciclo do parasita, sem a existência de seres humanos infectados na mesma biocenose. Entretanto, estudos recentes, feitos na localidade de Sumidouro, Estado do Rio de Janeiro, mostraram que a prevalência de esquistossomose em roedores do gênero Nectomys é de 57%, mesmo em áreas onde a densidade populacional humana é pequena. Acredita-se, assim, que estes roedores sejam capazes de manter o ciclo da parasitose independentemente da participação do homem.
No Brasil, acumulam-se evidências da adaptação crescente do S. mansoni a um ciclo roedor-molusco-roedor. As taxas de parasitismo caem acentuadamente quando os animais são capturados a mais de 400 metros das residências humanas.

Caramujos

A maior parte dos caramujos comuns tem conchas que formam como que um cone, onde há um vértice e uma base. À medida que o animal cresce, a concha vai aumentando também de tamanho, acrescendo mais voltas em torno de si mesma, aumentando o cone em direção à sua base. No centro da base há normalmente um orifício, que corresponde ao espaço circundado pelas voltas da concha. À este orifício os malacologistas, que são os estudiosos dos moluscos, denominam "umbigo". Os caramujos da família Planorbidae, que existem em todo o território nacional, são de fácil identificação, pois, ao contrário de todos os outros, e tal como sugere o nome, as voltas ou órbitas sucessivas da sua concha estão contidas num mesmo plano. Assim o caramujo, ao crescer, não forma um cone, mas um disco, cujas duas faces tem a mesma aparência da base da concha dos caramujos comuns. O nome Biomphalaria, que quer dizer "dois umbigos", vem da existência destas duas bases, uma de cada lado do disco formado pela concha, cada uma com o seu "umbigo". São de cor escura, acastanhada ou negra. Vivem em água doce de pouca correnteza, córregos ou valetas de irrigação, preferindo nos rios maiores os remansos das margens. A presença de poluição orgânica moderada lhes é benéfica, pois aumenta a oferta de alimento. São muito resistentes às medidas de controle, entre elas o uso de moluscicidas. As tentativas de exterminá-los não têm geralmente sucesso. No Nordeste, nos locais onde os rios são temporários e desaparecem por ocasião das secas, são capazes de persistir longo tempo enterrados na lama, a muitos metros de profundidade, até o retorno das chuvas, quando voltam a infestar as águas. O mais importante transmissor é o Biomphalaria glabrata.
O ciclo da parasitose pode começar a ser descrito no momento em que os ovos do parasita são lançados no meio ambiente, com as fezes do hospedeiro definitivo. Os ovos contém uma forma larvária multicelular microscópica, cujo tegumento é recoberto de cílios que permitem rápido deslocamento no meio líquido. O aspecto desta forma parasitária, à microscopia de pequeno aumento, lembra, pela presença destes cílios, a face de um jovem cuja barba começa a crescer; seja por esse motivo, seja por tratar-se de uma forma jovem do parasita, ela foi denominada miracídio, que quer dizer rapazinho. Os movimentos do miracídio podem ser vistos dentro do ovo intacto. A eclosão do ovo é estimulada pela água e pela luz. A própria luz do microscópio pode desencadeá-la no material contido entre lâmina e lamínula. Uma vez na água, o miracídio nada em busca do caramujo, no qual penetra ativamente. No hepatopâncreas do caramujo o parasita assume uma forma denominada esporocisto primário, em que há intensa multiplicação. As formas resultantes desta multiplicação espalham-se pelo hepatopâncreas do animal, cada uma delas formando um esporocisto secundário. Estes últimos dão origem às milhares de cercárias, que são finalmente eliminadas na água pelo caramujo. As cercárias são formas parasitárias pluricelulares, microscópicas, com um corpo de aspecto ovóide e uma cauda bifurcada (furcocercárias). Têm o aspecto mesmo de um pequeno peixe. O movimento se faz, entretanto, em direção à cauda. A liberação das cercárias se dá nas horas ensolaradas do dia, momento em que é mais provável a presença do homem na água, seja em decorrência de folguedos (crianças), seja por necessidade de trabalho (lavadeiras, etc.). As cercárias penetram ativamente pela pele íntegra que esteja em contacto com a água.

Infecção por cercárias

A primeira manifestação clínica da esquistossomose pode ser o prurido desencadeado pela penetração das cercárias. A literatura americana descreve uma "swimmer’s itch", ou "coceira dos nadadores". Este prurido seria mais intenso nos indivíduos já infectados, em decorrência da hipersensibilidade. Não é entretanto nem descrito, nem lembrado, pela maior parte dos indivíduos infectados nas áreas endêmicas, e parece não ser muito importante no Brasil. Supõe-se que muitas vezes seja devido à penetração de cercárias de outros esquistossomas, que parasitam animais, e que não podem se desenvolver no homem.
Ao penetrar, as cercárias perdem na pele a sua cauda, transformando-se em esquistossômulos. A transformação de cercária para esquistossômulo faz-se sem síntese protéica e com a formação de uma membrana heptalaminar de características únicas. Os esquistossômulos ganham então a corrente circulatória e dirigem-se aos pulmões, onde sofrem um processo de maturação. Após penetrarem os pulmões, os esquistossômulos cobrem-se de antígenos ABO e moléculas MHC derivadas do hospedeiro. À partir deste órgão, dirigem-se aos vasos da circulação porta hepática, que correspondem ao seu hábitat definitivo no corpo do hospedeiro. O caminho que seguem tem sido motivo de controvérsias. Para alguns, os esquistossômulos deixariam a luz dos vasos sangüíneos, migrariam através do parênquima pulmonar, atravessariam o diafragma e, já no parênquima hepático, voltariam a penetrar nos vasos sangüíneos da circulação portal. Para outros, os esquistossômulos deixariam os pulmões pela circulação arterial, e, sem nunca sair do interior dos vasos sangüíneos, fariam várias viagens entre os pulmões e os tecidos periféricos. O retorno aos pulmões se daria pela incapacidade do verme em fixar-se às veias da circulação sistêmica. Ao ganhar aleatoriamente a circulação mesentérica, o retorno obrigatório pela circulação portal permitira aí a sua fixação e maturação até a fase adulta.
A passagem pelos pulmões pode desencadear a síndrome de Löffler, uma pneumonite alérgica, eosinofílica, comum a todos os vermes que têm um ciclo pulmonar. Pode haver febre, tosse, dor torácica. O hemograma mostra eosinofilia. A radiografia mostra infiltrados alveolares heterogêneos, difusos por ambos os campos pulmonares, às vezes de caráter migratório. O processo tende a resolver-se espontaneamente. É interessante notar que o esquistossoma, ao contrário dos vermes que fazem o ciclo de Looss (Strongyloides, Ascaris, ancilostomídeos), não abandona a luz dos vasos sangüíneos para o interior dos alvéolos, nem atinge o trato gastrointestinal pela deglutição das secreções respiratórias, apesar de que este seria um excelente caminho para ir dos pulmões à circulação portal.

Esquistossomas

Os esquistossomas são vermes achatados (Platyhelminthes, de plati, achatado) que apresentam acentuado dimorfismo sexual. Macho e fêmea apresentam duas ventosas (Trematoda, de trema, dois orifícios), uma oral e outra ventral, cuja principal função parece ser a fixação do verme à parede do vaso. Os machos têm forma de folha, como as fascíolas. O tegumento é dotado de espículos e projeções característicos. As bordas laterais do verme tendem a fletir-se na direção ventral, o que, além de conferir ao verme um aspecto cilíndrico, delimita, ao longo do corpo do animal, um "canal ginecóforo", onde a fêmea habita, banhada em líquido espermático, em perpétuo acasalamento. As fêmeas são cilíndricas e o tegumento é liso. Medem cerca de 1 cm, sendo os machos algo maiores. Os esquistossomas são muito longevos, podendo viver de 5 a 10 anos. Apesar de habitarem o interior de um vaso sangüíneo, não são agredidos pelo sistema imunológico. Entre os sistemas de escape propostos, está o revestimento do tegumento com antígenos próprios do hospedeiro, geralmente relacionados aos grupos sangüíneos. De fato, experiências em camundongos mostram a destruição imediata dos esquistossomas adultos, quando estes são removidos de um animal e colocados na circulação de um outro, de grupo sangüíneo diferente. O mesmo não acontece quando ambos os animais são do mesmo grupo sangüíneo. A imunidade antiparasitária existe, entretanto. Tanto assim é, que os esquistossômulos são imediatamente destruídos logo após a sua penetração. Deste modo, e também porque os esquistossomas não se multiplicam no interior do hospedeiro, há uma tendência a não ocorrer grandes aumentos da carga parasitária no indivíduo infectado.

Posturas

Por ocasião da postura, a fêmea abandona o macho e dirige-se, deslocando-se contra a corrente sangüínea, para os pequenos capilares venosos que dão origem ao sistema porta na mucosa intestinal. Os ovos são depositados em fileiras no interior dos capilares venosos, um a um. A fêmea os empurra mais em direção à mucosa, com movimentos do corpo. Os espículos laterais de que os ovos são dotados parecem contribuir para que os mesmos se prendam às paredes dos capilares, o que impede o seu deslocamento pelo sangue. Os ovos segregam uma substância histolítica, que destrói o vaso e liqüefaz os tecidos ao seu redor. O material resultante desta liquefação, contendo os ovos do parasita, é eliminado para a luz do intestino. Posteriormente, os ovos deixarão o organismo com as fezes. O exame parasitológico das mesmas pelos métodos de Lutz e Kato os evidenciam facilmente.
As posturas são realizadas no reto e no sigmóide, e deixam como resultado numerosas lesões puntiformes da mucosa. O exame a fresco do material obtido por biópsia retal pode mostrar capilares contendo fileiras de ovos, no interior dos quais notam-se os miracídios em movimento (ovos viáveis). Com a continuidade das posturas, a mucosa sofre um processo de fibrose, que resulta no seu espessamento. A fêmea passa então a realizar posturas em porções mais altas do intestino, no colo descendente, às vezes até no ângulo esplênico. Tal fato pode fazer com que os sítios de postura estejam fora do alcance do retossigmoidoscópio, caso em que os exames parasitológicos de fezes apresentarão maior sensibilidade que a biópsia retal. Por isto, e porque a retossigmoidoscopia é mais agressiva para os pacientes, esta modalidade de exame, outrora tida como indispensável, vem sendo preterida em função do exame parasitológico das fezes. Como as posturas são esporádicas, o exame parasitológico deve ser repetido várias vezes. Acredita-se que cinco exames, separados pelo intervalo de um mês, correspondam à uma retossigmoidoscopia com biópsia retal, em termos de sensibilidade diagnóstica.

Esquistossomose intestinal ou habitual

Os sintomas decorrentes desta forma de esquistossomose, chamada "intestinal" (ou "habitual", por ser a mais comum), podem ser totalmente inexistentes, ou resumirem-se a períodos de diarréia alternados com constipação. Nas áreas endêmicas, esta forma de esquistossomose corresponde a 96% dos indivíduos infectados. Tem caráter benigno, não evolutivo.
Esquistossomose aguda
Nas fases iniciais da infecção, entretanto, podem surgir as manifestações, mais ou menos graves, da esquistossomose aguda. A esquistossomose aguda pode iniciar-se como um prolongamento do "prurido dos nadadores", que surge por ocasião da penetração das cercárias. Pode surgir, neste ocasião, exantema maculopapular pruriginoso, seguido de mal estar, astenia, anorexia, náuseas e cefaléia. A febre é inexistente ou baixa. O aspecto geral é de uma doença viral, desmentida, no entanto, pela eosinofilia sangüínea. É a chamada fase pré-postural da esquistossomose aguda. É quando se iniciam as posturas que a doença mais grave normalmente se inicia, ou seja um ou dois meses após o banho infectante. Tendo ou não existido sintomas desde a penetração das cercárias, estes surgem ou assumem, por ocasião do início das posturas, caráter mais dramático. Há febre elevada, calafrios, mialgia, tosse com crises asmáticas e dor abdominal com diarréia disentérica. Há hepatesplenomegalia e hipertrofia dos linfonodos. Surgem manifestações urticariformes. Há hiperleucocitose com intensa eosinofilia. O quadro tende a ser autolimitado, mas o agravamento é possível, com icterícia, abdome agudo, coma e evolução para o óbito. De uma forma geral as manifestações da esquistossomose aguda, especialmente as da fase pós-postural, são raras nos indivíduos residentes nas áreas endêmicas. É que a infecção ocorre principalmente na infância, quando produz poucos sintomas, e passa despercebida. Mais tarde ocorre uma acentuada moderação da resposta imune aos ovos do parasita, de modo que os sintomas se limitam, nestes indivíduos, aos da fase pré-postural (prurido dos nadadores).
O tempo de vida dos esquistossomas parece ser de 5 a 10 anos. a especificidade do hospedeiro intermediário é muito grande, o que impede a expansão geográfica da doença. A cadeia de transmissão é muito precária: o percentual de caramujos infectados é sempre pequeno. As cercárias são muito pouco numerosas na água. A taxa de exposição às cercárias é portanto baixa. A intensidade e a prevalência da infecção leva vários anos para atingir o seu máximo nos membros mais jovens da população e ambas decrescem com a idade do indivíduo. A distribuição da infecção na população se dá de acordo com uma distribuição binomial negativa, com a maior parte das pessoas albergando pequena carga parasitária e um pequeno número abrigando numerosos vermes.

Fisiopatogenia

A fisiopatogenia das formas graves de esquistossomose crônica está ligada à anatomia da circulação venosa intestinal, ou portal. A circulação portal é uma circulação fechada entre duas redes capilares. Uma delas é a rede capilar intestinal, de onde se origina. A outra é a rede de sinusóides hepáticos, onde termina. Existem territórios onde há possibilidade de comunicação entre as circulações portal e sistêmica. Estes territórios situam-se no terço distal do esôfago, no fundo gástrico e no plexo hemorroidário. Estas comunicações têm, no indivíduo normal, um caráter virtual, apenas potencial. Nos estados patológicos, mormente na hipertensão porta, estes territórios venosos podem hipertrofiar-se, originando varizes de esôfago e hemorróidas. Há uma particularidade interessante na rede capilar sinusoidal. É que, ao contrário dos capilares sistêmicos, o capilar sinusoidal é fenestrado, isto é, sua parede tem fenestras, janelas, pertuitos, orifícios, seios (daí o nome) por onde o plasma passa livremente para banhar os hepatócitos, só as hemácias ficando retidas no seu interior. Ora, nas obstruções que ocorrem a jusante dos sinusóides (isto é, depois deles), o território hipertenso inclui os próprios sinusóides. O plasma hipertenso flui com muito mais intensidade pelas fenestras, e todo o fígado fica, tal como uma esponja, impregnado de plasma. Como a cápsula de Glisson, que envolve o órgão, é permeável, o plasma a atravessa e ganha a cavidade peritonial. Ao fluido que aí se acumula vem juntar-se o líquido da circulação sangüínea do peritônio, atraído pela pressão coloidosmótica exercida pelo plasma inicialmente presente. Assim as obstruções portais pós-sinusoidais (síndrome de Budd-Chiari, trombose das veias centro lobulares, insuficiência cardíaca congestiva) caracterizam-se por súbita e intensa ascite. Já nas obstruções a montante dos sinusóides (isto é, antes deles), ou pré-sinusoidais, o território hipertenso não inclui os sinusóides. Não há ascite, embora possam ser mais precoces as varizes de esôfago, pois não há qualquer alívio da pressão hidrostática, neste caso.

Esquistossomose hepatosplênica

Não contando com a esquistossomose aguda, todas as formas graves desta doença estão relacionadas à crônica embolização hepática pelos ovos do parasita. De fato, muitas vezes os ovos colocados pela fêmea do parasita nas vênulas do intestino são deslocados pela corrente circulatória em direção ao fígado, onde são destruídos, dando origem a granulomas eosinofílicos (granulomas periovulares). Estes granulomas são, inicialmente, muito grandes e muito destrutivos para os tecidos em redor, e resultam na oclusão definitiva do vaso sangüíneo que continha o ovo. O fígado aumenta de volume. Fala-se, então, da esquistossomose hépato-intestinal. Mais tarde, ocorre uma modulação da resposta imunitária, e os granulomas passam a ser menores e menos destrutivos. O órgão pode então diminuir de volume, especialmente se a parasitose é tratada com medicação anti-helmíntica. Nos indivíduos com grandes cargas parasitárias, e na ausência de tratamento, ocorre a progressiva obliteração da circulação portal intra-hepática, com conseqüente hipertensão portal. Nos estágios iniciais a hipertensão portal pode regredir com o tratamento anti-helmíntico. O mais comum, entretanto, é que o fígado permaneça aumentado de tamanho, mesmo após a cura da verminose. A hipertensão portal determina o aparecimento de varizes de esôfago. Como a hipertensão interessa também o baço (pois a veia esplênica, que lhe drena o sangue, desemboca na veia porta), há esplenomegalia, inicialmente por congestão, depois por hipertrofia e fibrose, podendo, então, atingir grandes dimensões. Fala-se, neste ponto, de esquistossomose hepatosplênica.
As alterações da histologia hepática não implicam em necrose hepatocelular. Não há aumento das transaminases, nem sinais de insuficiência hepática, como icterícia, aranhas vasculares ou palma hepática. O indivíduo com esquistossomose hepatosplênica é um adulto jovem, que não está emagrecido e tem as massas musculares conservadas. Há hepatesplenomegalia, mas não há ascite, pois a obstrução portal determinada pelos granulomas é pré-sinusoidal. O doente pode distinguir-se, assim, do cirrótico, um indivíduo de meia idade ou idoso, emagrecido, com ascite e estigmas de insuficiência hepática, como aranhas vasculares, palma hepática, ginecomastia e ausência de pelos. Nenhum destes estigmas está normalmente presente no indivíduo com esquistossomose. As varizes de esôfago, entretanto, podem ser demonstradas em ambos os casos pela endoscopia ou pela radiografia contrastada do órgão. Enquanto não ocorre o sangramento das mesmas, fala-se em esquistossomose hepatosplênica compensada. O sangramento é, no entanto, ominoso quanto à instalação de lesão hepática. Durante os sangramentos, há súbito e grande alívio da hipertensão portal. Como a perfusão hepática remanescente depende desta hipertensão para ser mantida, ocorre que, imediatamente depois do sangramento, desencadeia-se a necrose hepatocelular, por hipoperfusão. O resultado de episódios seguidos de sangramento é a "cirrotização" do fígado. Surgem então, sinais de doença hepática semelhantes aos do indivíduo cirrótico. Fala-se, nesta situação, em esquistossomose hepatosplênica descompensada. O diagnóstico diferencial com a cirrose alcoólica pode tornar-se difícil, ainda mais porque o alcoolismo é comum na nossa população. Nada exclui a concomitância dos dois processos, nos indivíduos com parasitológico positivo.

Esquistossomose pulmonar

A passagem do sangue portal pelas varizes de esôfago em direção à circulação sistêmica abre a possibilidade de embolização dos pulmões pelos ovos. É a esquistossomose pulmonar, inicialmente hipertensiva, determinando o cor pulmonale. O alívio da obstrução da circulação pulmonar vem com a abertura de vasos colaterais intraparenquimatosos. A doença pulmonar hipertensiva torna-se então cianótica, por que o sangue é desviado dos capilares alveolares. Surge a esquistossomose pulmonar cianótica. Os ovos podem, agora, ganhar a circulação arterial sistêmica. É a esquistossomose ectópica, em que há deposição de ovos em todos os tecidos da economia.

Imunidade concomitante

Nas áreas endêmicas, as formas crônicas graves respondem por 4% dos doentes. A maior parte das formas graves são hepatosplênicas, sendo as pulmonares raras e as ectópicas mais raras ainda. Embora aparentemente exista uma relação de conseqüência entre estas diversas formas de esquistossomose, no sentido de que não pode haver forma pulmonar sem hepatosplênica, nem hepatosplênica sem hépato-intestinal, a esquistossomose não é uma doença progressiva. Na maior parte dos indivíduos em área endêmica, as primeiras infecções dão-se na infância, e são decorrentes de um pequeno inóculo. As formas agudas, não sendo comuns nesta idade, são pouco relatadas nesta população. Nestes indivíduos, a infecção segue um curso clinicamente silencioso, com acasalamento dos poucos parasitas adquiridos e o início das posturas. Formam-se granulomas hepáticos, inicialmente grandes, mas em pequena quantidade. A imunidade se estabelece, com duas conseqüências, a modulação dos granulomas e a diminuição do seu tamanho, e o estabelecimento de relativa proteção quanto à penetração de novos parasitas. É o que se chama de "imunidade concomitante" (à presença dos parasitas) ou "premunição". Como os parasitas são longevos, esta proteção é duradoura, e a carga parasitária tende a manter se estável, permanecendo o indivíduo na forma "habitual" da parasitose, mesmo tendo freqüentes contactos com as águas infestadas. Em alguns poucos casos, entretanto, as infecções iniciais podem determinar grandes cargas parasitárias. A modulação dos granulomas e a imunidade concomitante surgem normalmente, e o indivíduo não mais adquire novos parasitas. Mas, neste poucos casos desafortunados, o grande número de vermes (às vezes milhares) é suficiente, ainda assim, para determinar a oclusão da circulação hepática. O aparecimento das formas graves dependeria, então, da carga parasitária inicial, e não de uma evolução a partir das formas benignas. Há quem acredite, por outro lado, que a constituição genética do indivíduo tenha importância na evolução clínica da parasitose. De fato, indivíduos de raça negra, atavicamente afeitos à infecção, desenvolvem muito mais raramente as formas hepatosplênicas.
Informações recentes apontam para uma possível relação entre os antígenos HLA e o desenvolvimento de hepatomegalia e hepatesplenomegalia na esquistossomose mansônica e japônica. Nas infecções por S. mansoni e S. haematobium a resposta granulomatosa é uma reação de hipersensibilidade retardada, consistindo principalmente de linfócitos, monócitos e macrófagos. A resposta granulomatosa é estreitamente regulada por diversos mecanismos imunológicos.
A modulação dos granulomas na fase tardia da doença tem um papel significante na limitação do progresso da doença. Não se sabe se os eventos terminais (icterícia, ascite, insuficiência hepática) devem-se à própria esquistossomose ou se está relacionada a fatores tais como deficiência nutricional ou infecções virais.
Os altos níveis de IgE atribuem-se à propensão que têm os helmintos para estimular os linfócitos TH2, que segregam IL-4 e IL-5. A IL-4 é responsável pelos altos títulos de IgE e a IL-5 pela eosinofilia. A citotoxicidade dependente de IgE e mediada por eosinófilos (um tipo de ADCC) tem um papel importante na destruição de helmintos porque a proteína básica principal (major basic protein) dos grânulos dos eosinófilos é mais tóxica para os vermes que as enzimas proteolíticas e o oxigênio reativo produzido pelos neutrófilos e macrófagos. Entretanto, a imunidade anti-esquistossomática parece depender mesmo dos TH1 e da produção de interferon gama. Macrófagos ativados destroem cercárias pela ação do óxido nítrico e TNF.
A formação dos granulomas periovulares depende do estímulo das células CD4+, que ativam os macrófagos e iniciam a reação de imunidade retardada.
Diferentes antígenos e formas de imunização desencadeiam a ação de diferentes subpopulações de células T auxiliares, que produzem diferentes conjuntos de citocinas. As células TH1 segregam IL-2 e IFN gama e as células TH2 segregam IL-4, IL-5, IL-10 e IL-13. As células TH1 são as principais efetoras da imunidade mediada por células e da hipersensibilidade retardada (infecções por parasitas intracelulares). As células TH2 estimulam a produção de IgE (por causa da IL-4) e a inflamação eosinofílica (IL-5 é um poderosa citocina ativadora de eosinófilos).
O controle da esquistossomose faz-se, idealmente, pela educação sanitária, visando ao destino adequado dos dejetos fecais. A busca ativa e tratamento dos casos tem se revelado capaz de diminuir a incidência da parasitose em algumas áreas endêmicas. Os tratamentos de massa, indiscriminados, foram abandonados, bem como o tratamento das águas com moluscicidas.

Tratamento

O tratamento do indivíduo infectado faz-se com duas drogas, a oxamniquina e o praziquantel. O tratamento nunca é urgente. O encontro fortuito de ovos do parasita nas fezes de um paciente cirúrgico eletivo, por exemplo, não contra-indica a cirurgia. A oxamniquina é mais barata e distribuída gratuitamente pelo governo. É dada por via oral, na dose de 12,5 mg por kg de peso corporal nos adultos. Crianças eliminam mais rapidamente a droga, e devem receber 20 mg por quilo de peso corporal. A dose é única. Os principais efeitos colaterais são de natureza psiquiátrica, com delírios e alucinações. A droga deve ser dada a noite, por este motivo, já que estes efeitos podem manifestar-se como simples pesadelos. Há cerca de 15% de resistência.
O praziquantel é dado na dose única oral de 50 mg por quilo de peso corporal.
Tratamento cirúrgico
As alterações circulatórias decorrentes da esquistossomose podem ser passíveis de correção ou paliação cirúrgica. A primeira das tentativas de correção consistiu na anastomose portocaval. Os resultados deste procedimento não foram bons, pois o alívio excessivo da pressão portal desencadeava a necrose hepática, de forma semelhante ao que ocorre no sangramento das varizes. Além disso, presença do sangue portal na circulação sistêmica desencadeava a encefalopatia hepática, pois os aminoácidos aromáticos, decorrentes da degradação das proteínas absorvidas pelo intestino, e não degradados pelo fígado, vão agir como falsos neurotransmissores no Sistema Nervoso Central, determinando o aparecimento de desorientação, alucinações, torpor, coma e morte. A solução seguinte foi a esplenectomia. A extirpação do baço hipertrofiado trazia algumas conseqüências benéficas, entre elas a cessação do deságüe da veia esplênica na veia porta, aliviando a pressão no sistema portal. O doente com anemia por hiperesplenismo também se beneficiava com a esplenectomia. Em doenças infantis com grandes e prolongadas esplenomegalias, pode surgir o que se chama de nanismo esplênico, pelo fechamento precoce das cartilagens de conjugação. Os fatores que desencadeiam o processo são desconhecidos, mas a esplenectomia indica-se nesta situação por acarretar na cessação do mesmo. Outras modalidades cirúrgicas são a anastomose esplenorrenal distal e a anastomose esplenorrenal proximal. Na primeira, o baço é extirpado e a extremidade distal da veia esplênica é ligada à veia renal. O sangue portal passa a fluir pela veia esplênica no sentido inverso, desaguando na veia renal e aliviando a circulação portal. O fluxo através da veia esplênica modula o alívio da pressão, de modo que a incidência de hipoperfusão hepática ou encefalopatia é baixa. Na última modalidade, o baço é mantido, e faz-se a anastomose da porção proximal da veia esplênica com a veia renal. O sangue venoso esplênico passa a desaguar na veia renal, aliviando o sistema porta.

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